Por que a sucessão familiar é sempre um desafio?
29 de novembro de 2016Não raramente, os casos de sucessão familiar costumam trazer sérios problemas para as empresas. A falta de planejamento e a inexperiência dos empresários para lidar com o processo sucessório acabam causando prejuízos para o negócio. Esses prejuízos, se não observados e acompanhados de perto podem, inclusive, comprometer a sobrevivência da organização.
De forma geral, o fracasso das empresas familiares no processo de sucessório está no despreparo delas para o futuro. O impulso do empreendedor para colocar a mão na massa e fazer a empresa acontecer, muitas vezes, não é acompanhado de um planejamento estratégico. E é esse planejamento que deveria contemplar, além da expansão e modernização da empresa, um processo sucessório transparente e sustentável.
Mas, na verdade, a sucessão familiar não precisa ser um bicho de sete cabeças para os empresários. Se todas as empresas contassem com um plano de transferência dos cargos diretivos, desde os seus primeiros anos de existência, a transição poderia ser muito mais simples do que se pensa.
O processo de sucessão em empresas familiares é apenas um dos desafios de gestão que essas organizações enfrentam. Você imagina como esses obstáculos impactam diretamente no desempenho dessas empresas?
Os principais desafios da gestão de empresas familiares
As histórias das empresas familiares, de modo geral, são muito parecidas: elas têm início quando um dos membros da família é empreendedor e assume a liderança para começar um novo negócio. Inicialmente, como a empresa ainda está se estruturando, é comum que ela não tenha todos os seus processos bem definidos, assim como os escopos de trabalho e as formas de atuação de cada familiar.
Com o passar do tempo, as empresas que sobrevivem e conquistam uma maturidade no mercado são impulsionadas a crescer. E é nesse momento que as divergências internas se agravam, pois, em um mercado competitivo, é necessário que as empresas se profissionalizem para atender bem às expectativas dos seus clientes.
Segundo o especialista em gestão de empresas familiares, John Ward, apenas 20% das empresas familiares em todo o mundo sobrevivem 20 anos ou mais no mercado, indo, em grande parte das vezes, até a terceira geração no máximo.
O especialista defende que o declínio desses negócios é causado, basicamente, por seis grandes desafios que impactam negativamente na gestão de empresas familiares. Veja quais são eles:
a. Nepotismo: dá-se o nome de nepotismo ao ato de favorecer um empregado, seja por meio de remuneração diferenciada, ou de outros benefícios exclusivos, em função do grau de parentesco entre o líder e esse empregado.
Por exemplo: o diretor da empresa X pode acreditar que, dentro do seu negócio, ninguém, além do seu próprio filho, estaria capacitado para assumir a diretoria da empresa, ou iniciar um novo projeto.
Mas, muitas vezes, o filho escolhido não possui habilidades gerenciais e, ao assumir o cargo designado pelo pai, acaba comprometendo os resultados da empresa. Ward destaca que o nepotismo está presente em 12% das empresas brasileiras, sendo esse um dos maiores índices do mundo. Em outros países, esse índice varia entre 3% e 5%.
b. Abrir mão: esse desafio de gestão está relacionado diretamente ao processo sucessório, pois quando o fundador da empresa encontra dificuldades para “abrir mão” do seu cargo e repassá-lo à nova geração, ele está, na verdade, criando barreiras para a evolução da empresa.
Mas, por que um líder teria esse comportamento? Segundo Ward, os diretores veem esse momento como uma perda de poder e, em muitos casos, da própria identidade, já que a empresa, muitas vezes, está personificada na figura do fundador.
Por isso, muitos deles criam barreiras e também não realizam um planejamento para o processo de sucessão na empresa. Se houver uma fatalidade, e o fundador vier a falecer, por exemplo, a empresa passará um bom tempo tentando encontrar um caminho para manter suas atividades. Por sua vez, os conflitos internos prejudicarão o negócio no mercado e comprometerão a sua competitividade, podendo levá-lo até mesmo à falência.
c. Rivalidade entre irmãos: como foi dito no tópico anterior, os conflitos internos não ajudam a empresa em nada. Pelo contrário, as divergências que não são resolvidas no âmbito familiar tendem a prejudicar os negócios, uma vez que eles travam decisões internas que podem ser fundamentais para o sucesso da empresa.
Por outro lado, Ward defende que os valores familiares são a maior vantagem competitiva que esse tipo de empresa possui e, quando as desavenças entre irmãos são superadas, as empresas de família podem apresentar uma performance melhor que outros tipos de empresas, independentemente do segmento de atuação.
d. Choque cultural: esse desafio de gestão consiste em instaurar uma cultura única de negócios, já que a empresa é formada por irmãos, primos e tios que podem ter vivido em cidades diferentes e em épocas diferentes, o que os fazem ter valores nem sempre tão próximos uns dos outros.
Para que a empresa funcione e conquiste seu espaço no mercado, todos precisam falar a mesma língua e estar dispostos a trabalhar em conjunto, abandonando as questões relacionadas à hierarquia ou à influência familiar, que, nem sempre, são refletidas dentro da empresa.
e. Liberdade de gestão: a liberdade de gestão está relacionada à capacidade da empresa familiar para atrair grandes executivos que não sejam da família. Essa dificuldade existe, basicamente, por dois motivos: o primeiro é a resistência da família em receber um profissional que, em tese, é alheio à história e às origens da empresa; já o segundo motivo baseia-se na complexidade que a gestão de uma empresa familiar representa para o executivo.
De acordo com o headhunter e CEO da consultoria suíça Egon Zehnder, Rajeev Vasudeva, 50% dos executivos que assumem empresas familiares não são bem-sucedidos nessa empreitada. E a culpa disso, segundo Vasudeva, é da não aderência aos valores familiares pelos executivos, além da dificuldade que alguns deles têm para decifrar as “normas silenciosas” da família.
f. Novas condições de negócio: outro grande desafio para as empresas familiares é manter-se firme no mercado com o passar dos anos. Isso acontece, principalmente, em função das variações de demanda por parte dos consumidores, pois, as necessidades das pessoas mudam conforme a época; pelo aumento da concorrência no segmento de atuação; ou mesmo pela evolução da tecnologia, que pode tornar um produto obsoleto em questão de meses.
Dessa forma, para sobreviver às adversidades do mercado, as empresas familiares precisam estar abertas à mudança, já que os processos continuam evoluindo, e a profissionalização e modernização das organizações familiares deve acompanhar esses movimentos. Segundo Ward, esse desafio foi apontado como um dos mais críticos por 30% das empresas brasileiras entrevistadas.
Como você viu, dentre os seis grandes desafios apontados por Ward, pelo menos três deles mantêm relação com o processo de sucessão nas empresas familiares. Isso significa que a transição de comando em uma empresa de estrutura familiar é determinante para a continuidade dessa organização no mercado.
E essa afirmativa torna-se ainda mais verdadeira quando Ward lista as suas dez melhores práticas para a condução ideal de empresas familiares. Segundo o consultor, a primeira delas é ter um plano estruturado de sucessão.
Para que o processo de transição ocorra da melhor maneira, é importante que ele tenha sido previsto e planejado, de modo transparente e o mais simples possível, já nos primeiros anos de existência da empresa.
Por que é preciso planejar a sucessão familiar?
Uma das maiores vantagens de se planejar o processo sucessório é permitir que os potenciais gestores se preparem para assumir um cargo de direção. Isso reduz a probabilidade de que herdeiros inabilitados ou desinteressados com relação aos negócios assumam uma posição estratégica na empresa, o que poderia trazer inúmeros prejuízos tanto para as finanças quanto para a imagem da empresa.
De acordo com Ward, uma geração de sucessores despreparada para atuar no negócio da família pode acentuar a fragmentação interna e os desentendimentos entre os familiares. A sensação de insegurança e a incerteza diante do que acontecerá no futuro afeta o clima interno e também o lado emocional das pessoas.
Consequentemente, o nível de confiança, a produtividade e a qualidade dos negócios também são prejudicados, o que é muito ruim para a organização.
Da mesma maneira, o especialista em governança de empresas familiares, Ivan Lansberg, aponta outras vantagens do planejamento do processo de sucessão. Segundo ele, a escolha de um sucessor para a empresa familiar é, provavelmente, a decisão mais importante que alguém pode tomar como diretor dessa organização.
Isso porque, se a escolha não for acertada, o erro irá prejudicar não apenas o futuro do negócio, mas também toda a família que precisa dessa empresa para se sustentar. Por isso, a indicação de um sucessor nunca poderia ser feita sem antes conhecer-se ao máximo esse candidato.
Lansberg afirma também que esse é um grande erro das empresas familiares: colocar à frente do negócio, em um cargo diretivo, uma pessoa sobre a qual não se sabe muito. Como uma empresa precisa, pelo menos, de cinco anos para realizar um processo de sucessão por completo, há tempo suficiente para selecionar, com transparência e sabedoria, o melhor candidato.
Nesse cenário, o ideal é que haja, pelo menos, dois pretendentes ao cargo, e não apenas um, como tem ocorrido na maior parte das empresas familiares brasileiras. A razão disso é que, quando existem duas pessoas concorrendo entre si, elas tendem a mostrar o melhor que podem das suas habilidades, com o objetivo de se superarem a cada desafio.
Ao final do período de transição, a decisão poderá ser tomada com base em números, apontando quem se saiu melhor durante esse período de teste, e não em opiniões ou achismos. Esse é, de acordo com Lansberg, um dos caminhos mais acertados para a sucessão em empresas familiares.
Mas, como conduzir o processo de sucessão familiar na empresa?
A sucessão familiar empresarial não é um processo simples de ser realizado, visto que envolve, além do futuro da empresa e a sua continuidade no mercado, também as expectativas dos sócios, dos investidores e de todos que trabalham direta ou indiretamente no negócio.
Embora a conciliação de todas essas demandas seja algo complexo, há um caminho que pode facilitar todo esse trâmite, que é a estruturação de um planejamento para o processo de sucessão.
O desenvolvimento do plano de sucessão deve contemplar, basicamente:
- a forma como a sucessão será realizada no futuro;
- todas as etapas do processo;
- o momento ideal em que essa transição deve ocorrer;
- como serão escolhidos os candidatos à sucessão, entre outros aspectos importantes.
Na medida em que essas regras são criadas e colocadas em prática, os conflitos, que normalmente surgem nesse período transitório, podem ser minimizados. Isso ajuda a evitar o desgaste, que é tradicional, entre os membros da família, além de contribuir para a preservação da imagem da empresa no mercado.
Lansberg defende ainda que, ao escolher um sucessor para a empresa familiar, é preciso projetar o futuro da organização: onde a empresa quer estar no futuro? Quem essa organização quer ser no mercado daqui a 10, 15, 20 anos?
Compreender o que a família espera dessa empresa também ajuda a identificar quem seria o sucessor ideal. As expectativas devem estar alinhadas com os valores, as crenças e a determinação do sucessor, pois a inovação e a transformação da empresa vão depender diretamente dele no futuro.
Contrato social x Sucessão familiar: é possível facilitar o processo?
De acordo com o CEO da Previsa Contabilidade, Thiago Vitor, todas as questões relacionadas ao processo sucessório devem ser definidas, preferencialmente, à época em que a empresa for constituída. Essa simples iniciativa pode evitar graves desentendimentos entre os membros da família no futuro.
“O contrato social, ou o estatuto social das sociedades anônimas, deve dizer o que acontecerá com a empresa caso um dos sócios venha a falecer. E o mesmo pode ser aplicado às empresas familiares, porque essa definição, quando é clara e conhecida de todos, ajuda a manter a governança e a coesão dos processos internos, caso o diretor da empresa venha a falecer”, afirmou.
Quando o contrato social da empresa já possui a definição dos próximos passos, em caso de falecimento do patriarca/matriarca, são evitados também outros problemas, como é o caso das discussões relacionadas à herança.
“O processo de inventário torna os bens da família temporariamente indisponíveis, até que se nomeie um inventariante. Um processo tradicional de inventário pode durar de seis meses a um ano, caso tudo corra bem. E, nesse tempo, a família pode passar necessidade, caso não haja um planejamento.”, disse Thiago Vitor.
Holding familiar: uma solução mais segura para a sucessão?
Denomina-se holding a empresa que foi criada para administrar um grupo de outras empresas (conglomerado), por meio de ações ou cotas. A formação de uma holding familiar visa, primeiramente, proteger o patrimônio e, em um segundo momento, facilitar a transferência de bens para as próximas gerações.
No sistema de holding, é possível descrever no contrato social que, em caso de falecimento do diretor/patriarca, o administrador temporário da empresa será o José da Silva, por exemplo. Assim, o patriarca pode ter o usufruto vitalício das cotas e, em caso de morte, esse usufruto cessa, e os herdeiros serão investidos automaticamente das cotas.
Além de possuir um processo de transferência de bens mais simples, a holding familiar evita muitos dos transtornos causados por um inventário tradicional, como a onerosidade e a demora na resolução do processo.
Como formar uma holding familiar?
Para que haja a formação de uma holding familiar é preciso que todos os bens sejam transferidos da família para o poder da empresa. Isso é o que configura a holding.
Dessa forma, esses bens deverão ser integralizados, é preciso efetuar todas as alterações necessárias em cartório, como transferências, escrituras, entre outros procedimentos.
Entretanto, mesmo com todas essas etapas, o custo de criação de uma holding familiar pode ser até 50% menor que o valor gasto com o processo de inventário. Além dessa, outras vantagens das holdings familiares que merecem destaque são:
- possibilidade de criar um planejamento fiscal, societário e de proteção patrimonial;
- opções de tributação mais interessantes que a tributação que incide sobre outros tipos de empresas;
- retorno de capital sob a forma de lucros e dividendos no futuro;
- possibilidade de inserir cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens;
- permite o crescimento do grupo, por meio da expansão, aquisição e venda de cotas.
Mesmo com todos esses benefícios, as holdings familiares ainda são minoria no Brasil. Segundo Thiago Vitor, as empresas ainda estão entendendo esse processo de incorporação proposto pela holding. “Existe muita curiosidade sobre o tema, mas poucas organizações iniciaram o movimento para se transformarem em holdings de fato”, afirmou.
Como você viu, a sucessão familiar é um momento delicado para a empresa, visto que coloca em risco a saúde financeira da família e, inclusive, a existência da organização no mercado. Exatamente por isso, a sucessão merece ser amplamente discutida entre os gestores do negócio, para que se tenha um planejamento adequado para a transição.
A complexidade desse processo exige que ele seja realizado em um período de, pelo menos, cinco anos, para que todos os candidatos à sucessão sejam conhecidos e possam mostrar como eles pretendem liderar a empresa no futuro.
Nesse cenário, as holdings familiares apresentam-se como uma solução viável e menos burocrática para a sucessão familiar.
Entretanto, cada caso precisa ser analisado separadamente, para que a melhor solução seja dada a cada tipo de empresa.
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